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ao sonhador

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um-do-li-ta's avatar
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Literature Text

P,
e mais uma vez respiro fundo e começo de novo. Falar contigo é sempre o mais complicado, quero sempre dizer-te tudo mas as palavras soam-me todas tão banais, tal e qual a própria palavra, banal. E depois perco-me a juntar palavras, a dar o uso certo à gramática, a descobrir o lugar correcto do ponto final e a escolher as palavras mais elegantes, soa-me sempre tão complicado quando é para ti. Mas tenho de dizer a verdade, porque tu também a sabes, este blog respira-te, mais que eu, ele é quase um todo só para ti. E ele merece mais do que palavras que guardo em rascunhos, rascunhos que ficam por aqui até ganharem pó e que um dia, um dia decido apagar, e depois é assim que tu não sabes que no dia quinze de agosto eu te escrevia "estou muito cansada e talvez esta não seja a melhor altura para te escrever, mas nunca é a melhor altura. Nunca é a melhor altura para me lembrar de ti, sabendo que não fazes o mesmo, nunca é a melhor altura para estar apaixonada por ti, sabendo que a ti não te acontece o mesmo, nunca é a melhor altura para te amar, sabendo que não sentes o mesmo Há um nó na minha garganta que me impede de te perguntar (...) espero que um dia." E não soubeste que no dia seguinte te escrevia já com muita pena e lágrimas gordas na cara "mas como dizem as pessoas mais sábias, há pessoas que não foram feitas para ficarem juntas, talvez nós sejamos essas pessoas de quem eles falam." Mas não era sobre isto que queria falar, não era sobre palavras mortas, presas na garganta, e enterradas a tinta preta. Quero falar-te sobre hoje, porque acordei cedo, a verdade é que acordo sempre cedo. Mas hoje, para fugir à rotina dos meus últimos dias foi um despertar delicado, quase um amanhecer mágico, como aquele que andava a pedir-te à dias, foi encantador voltar a sentir o frio que me percorria as pernas e foi um prazer esconder-me debaixo do lençol vermelho, agora que durmo só de cuecas e t-shirt, muitas vezes pela preguiça que se mistura com o calor, soube-me bem o frio nos ossos que terminava num sorriso tímido nos meus lábios. E embora fosse cedo já todos tinham tomado o pequeno-almoço e partido para as suas rotinas. Hoje, contrariando os dias normais, eram poucos e silenciosos e eu nem os senti. Levantei-me, voltei a vestir as calças de ontem que tinha deixado caídas no chão, vesti o último casaco que roubei ao meu pai e levei a mão ao cabelo, agora cheio de nós, lamentei em silêncio e recordei por alguns segundos o tempo em que se enchia de ondas, como o mar. Saí de casa, quase sem comer e sem ter onde ir, mas nunca tenho onde ir, quando ando sem companhia e não devia ter passado muito tempo desde que tinha abandonado a minha própria casa, quando me sentei num passeio, não havia ali ninguém. Só eu e a brisa. E foi sem querer que vi uma flor a abrir, ela estava fechada no seu mundo e por tremenda coincidência abriu no momento exacto em que desviei o meu olhar para ela. Teria dito, destino, se o meu amor do norte estivesse por perto, só porque ele não acredita e eu também não. Eu que me derreto em pormenores que mais ninguém vê, fiquei feliz, francamente feliz. E de repente, sem aviso prévio, lembro-me de ti, como quando alguém vai contra nós numa esquina e não estamos à espera, ou quando temos umas sapatilhas novas e pisamos uma poça de chuva que se encontrava ali quase à uma semana, ou quando vamos contra um móvel já habitual em nossas casa, ou simplesmente quando nos apercebemos que estamos apaixonados, ou... Lembrei-me de ti, como se fosses algo que se impusesse no meu pensamento, andas lá sempre, como uma poça ou um móvel, mas sem me aperceber já estou a pensar em ti e o meu encanto quebra-se, lembro-me de como será pouco provável que alguma vez vejas uma flor a meu lado, ou ouças o chilrear dos pássaros enquanto beijas com toda a ternura o meu ombro despido. Lembrei-me que nunca vais ser tu a companhia, que pedem estes passeios, apenas porque está frio. Como posso eu simplesmente esquecer-te, como eles me pedem? Eles que nada sabem sobre o amor. Como posso eu perder-te, quando a tua lembrança, mesmo com a certeza que nunca será mais do que isso, continua a mexer-se dentro de mim? De vez em quando quase me esqueço de ti, quase não tenho saudades tuas, quase que acredito que não gosto de ti, quase que acredito que não preciso de ti, mergulho na confusão dos dias e do angustiado pensamento que me ocupa o tempo, e o meu coração que bate perdido na ponta dos pés, enche-se de coragem e em par com as vozes da alma presa no meu pulso, reclamam por um pouco de atenção para ti. Como naquele dia em que encontrei um travessão já antigo perdido na gaveta e sorri, ao ver quatro peixes desenhados e isso me fazer pensar em ti, ou quando bebo um galão alentejano e me pergunto se o teu sabor será parecido. Ou quando ouço por acaso uma musica que sei que conheces e gostas, ou quando alguém chama pelo teu nome, mas não por ti. E é sempre assim que me lembro de ti, quase sem saber. E ao ouvir-te dentro de mim, percorre-me um arrepio pelo corpo como se emitisses raios a cada canto de mim. Os olhos inquietam-se, a pele desperta e a única coisa que me apetece é gritar aquilo que realmente sinto por ti. Embora eu saiba que tu não entendes nada do que eu faço, eu esforço-me cada vez mais para que tu percebas que eu gosto muito de ti. E do fundo do meu coração, mesmo quando parece que me invade uma enorme vontade de voar para longe, partir à descoberta, para outras cidades, para outros mundos, para outras vidas, para outros amores, nada disso me interessa se tu não estiveres aí para me ouvir, quando eu voltar, não me interessa partir se não tiver a certeza que não me esperas e que me amas. E se parece que me limito a ti, é só para não desiludir, a ti e a mim, porque prometi-me não te deixar para trás. Sem ti, parece que não tenho nada por que esperar, continuo a querer-te dia e noite, mesmo agora que pouco passa da madrugada eu já pensei em ti por tantos motivos. Parece que vivo a minha vida à espera que algo mude, que o mundo mude, que o teu sentimento por mim mude. Que ainda exista uma possibilidade escondida ali atrás daquela pedra, que nós ainda não conseguimos ver, algo que te faça perceber que te quero assim, mesmo fugidio como és. Mas isso é um objectivo cada vez mais platónico e irreal. Mas o que fazes tu, quando tudo o que te antecede e ultrapassa deixa de fazer sentido? Quero-te com uma necessidade impossível de controlar, quero-te numa dimensão que nunca tinha experimentado antes, se calhar porque não te posso ter, dizem eles, ou então apenas, porque reparei em ti, porque houve a oportunidade para reparar em ti, e saber-te assim tão especial. Eu não quero esforçar-me por ti, melhor, eu não quero forçar-te a mim. Quero que te entregues, que sejas só meu, para que consigas sentir que sou muito mais tua do que alguma vez fui de alguém, eu que sempre fui tão minha, e me perdia em bocadinhos bem pequeninos nas bocas do mundo. Será que alguma vez, vês o mesmo que eu? Será que alguma vez, sentes o mesmo que eu? Será que alguma vez, queres o mesmo que eu? O que quero? Que me olhes, que me ouças, que me vejas. Que me imagines, que me desejes. Que te interesses por mim o suficiente para que um dia possamos descobrir o momento em que cai o manto de seda que protege os amantes. Quero, quero, quero-te! Quero que te aproximes de mim num misto de desejo e afecto, quero perder-me para sempre nas linhas do teu corpo. Deixa-me envolver-te neste teu jogo, e envolve-te no meu. Deixa-me sonhar mais uma vez com o beijo que um dia me vais arrancar dos lábios, deixa que sonhe com o teu corpo a mover-se para se juntar ao meu. Diz que me deixas sonhar com isto. Quero, quero-te! Quero que em segundos procures a minha pele por baixo da roupa, me agarres na cintura enquanto me mordes o pescoço, colocando o teu logo ali perto, perto o suficiente para que possa roçar os meus lábios nele, deixa-me sonhar com a tua pele a arrepiar-se à medida que sente a humidade da minha boca, oh como eu gostava de um dia sentir isso. A tua respiração em compassos que surgem mais apressados, o calor do teu corpo, e ao mesmo tempo perder-me no teu beijo, pedi-lo, provoca-lo. E a suavidade da sensação que se encontra entre o meu corpo e as tuas mãos que me despem devagar, mas com gestos decididos que provocam em mim vontade de te despir também, oh como te quero sonhar, o teu corpo, beija-lo, morde-lo, fazê-lo ceder ao meu, suavemente e com carinho. Gozar da sensação de seduzir e ser seduzida, num arco-iris de emoções contraditórias que se completam. Há certas coisas, que dizem, só esperando o momento certo com sensibilidade e sabedoria, como fazer caramelo, o salto em altura, a partida, um bolo. O mesmo deve acontecer quando dois corpos se entregam, esperar o ponto exacto, nem antes, nem depois. Deixar. É esta sensação que quero sentir, libertar-me do meu corpo e vaguear no teu, nos teus ossos, na tua pele, na tua carne, na tua boca, nos teus olhos, no teu cabelo, marcar-te, para ter a certeza que nunca te vais esquecer de mim. Depois só queria descansar a teu lado, poisar a cabeça no teu peito, e com segurança adormecer, por saber que olhas por mim e me proteges. Sinto que uma parte de mim vai morrendo nestes últimos dias, tendo vindo a aproximar-se tragicamente do fim. A sensação de tristeza é tão forte, que sinto vontade de chorar e não consigo. A tristeza tornou-se numa dor física que julgo que toda a gente consegue ver. Mas saberia que contigo aqui, uns beijinhos à esquimó e umas festinhas na cabeça e eu encontrava-me outra vez, em paz. Mostrava-te o café, aquela rua e outra e outra, o jardim mais bonito e o mais feio, onde passo as manhãs, as tardes, as noites, os meios-almoços em tempos de aulas, a borboleta, o barulho, aquela loja e a outra... E é amar-te que me inspira, se não queres ver o que tenho para te mostrar, é vazio tudo o que faço.

e então, bem-vindo a mim, sonhador
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Gerrard-Curvo's avatar
Apenas posso aspirar a que um dia a minha Gramatomância também consiga juntar as palavras assim e que o coração concorde.